MALEBRANCHE, N.
A BUSCA DA VERDADE: ANÁLISE DOS
PARÁGRAFOS 30 E 31 DO PREFÁCIO À OBRA
UNIVERISIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA
INSTITUTO DE FILOSOFIA
DAVI HOLZ ALVARENGA
ATIVIDADE PROPOSTA
1. Explicar oralmente os parágrafos 30 e 31;
2. Apresentar esquematicamente como foi realizada a leitura filosófica dos parágrafos;
Há, portanto, duas tarefas a serem realizadas: 1) explicar o conteúdo dos parágrafos; e 2) expor a
metodologia utilizada na leitura.
O que é a explicação de um texto? "É a apresentação [...] de um texto curto, que constitui a forma mais
elementar da hermenêutica (ciência da interpretação dos textos). 'Explicar' é [...] argumentar sobre tudo
aquilo que se afirma, com a ajuda de exemplos extraídos do próprio trecho estudado ou fazendo referência
a conhecimentos exteriores ao texto (autor, gênero, época, o restante da obra do mesmo autor, enfim, tudo
que for pertinente para os propósitos desenvolvidos)". (FALLEIROS, 2021, p. 1)
Começar-se-á esta apresentação com a exposição da metodologia (2) para, em seguida, explicar-se os
parágrafos (1).
PASSO INICIAL: A CONTEXTUALIZAÇÃO
O texto é um todo orgânico e articulado que dialoga com a sua época. Ele "é um objeto
linguístico-histórico." (ORLANDI, 1995, p. 111)
"As palavras não significam em si. É o texto que significa." (Ibidem, p. 112)
"[...] o texto se constitui como tal em sua leitura (ou, inclusive, em sua análise)." (PORTA,
2011, p. 142)
A história deve ser encarada como a relação entre um lugar social (contexto sócio-
histórico em que a obra foi produzida), procedimentos de análise (uma disciplina;
procedimentos técnico-metodológicos) e a construção de um texto (a produção final do
pesquisador). Um texto, uma obra, um documento, portanto, ao ser analisado, deve ser
visto "enquanto atividade humana". (CERTEAU, 2011, p. 47).
C1: Para entender-se ambos os parágrafos de nossa análise, foi (e é) preciso, portanto, ler
todo o prefácio da obra. C2: Para entender-se a obra, é preciso buscar o contexto
histórico (lugar social).
AUTOR E OBRA
Nicolas Malebranche (1638-1715): filósofo racionalista e padre francês. Buscou uma
síntese entre os sistemas filosóficos de Agostinho e de René Descartes.
A Busca da Verdade (1675): clássico da filosofia moderna, é a obra mais importante
de Malebranche. Nela, encontram-se as doutrinas metafísicas e epistemológicas
que marcaram as discussões filosóficas dos séculos XVII e XVIII, como a teoria da
visão em Deus, a dos julgamentos naturais e a do ocasionalismo.
Lugar social da obra: nascimento da ciência moderna; debates epistemológicos e
metafísicos.
§ 30 "Os homens podem considerar a astronomia, a química e quase
todas as outras ciências como diversões de um cavalheiro, mas não
devem se deixar surpreender por seu brilho, nem preferi-las à ciência do
homem."
Co
(MALEBRANCHE, 2004, p. 53)
- Nicolau Copérnico (1473-1543): contrariamente a Aristóteles, defendeu a teoria do modelo heliocêntrico,
publicada em seu livro Da revolução de esferas celestes (1543).
- Galileu Galilei (1564-1642): descobriu a lei da queda dos corpos (todos os corpos caem com aceleração
constante), refutando a física aristotélica. Descobriu as crateras lunares, percebeu que a Via Láctea não era
feita, como dizia Aristóteles, por exalações celestiais, mas por um conjunto de estrelas. Reafirmou o
heliocentrismo.
- Johannes Kepler (1571-1630): descreveu o movimento dos planetas pela mecânica celeste com três leis.
- Paracelso (1490-1541): era contrário à tradição médica de Galeno e Avicena (autores da medicina clássica:
"teoria dos 4 humores"). A sabedoria seria encontrada através da observação direta dos fatos. A medicina
clássica deveria ser substituída pela filosofia química. (ALFONSO-GOLDFARB, 1994)
Ciência do homem: a filosofia, ciência do espírito, que aproxima o homem de Deus. É a única ciência a que se
deve dedicar, pois ela torna o homem mais sábio e o livra de sua servidão.
"[...] ainda que a imaginação
atribua certa ideia de grandeza à
astronomia [por estudar objetos
grandes e distantes] [...], não é
preciso que o espírito reverencie
cegamente essa ideia; este deve
tornar-se o juiz e mestre dela [da
ideia de grandeza das ciências], e
despojá-la desse fausto sensível
(MALEBRANCHE, 2004, p. 53) que espanta a razão."
Johann Georg Faust (c. 1480 – c. 1540) e o pacto com o demônio.
Descartes: separação entre alma e corpo (dualismo); união de ambos pela glândula pineal; a alma age sobre
o corpo e tem uma faculdade passiva de sentir as paixões deste.
Princípio da causalidade cartesiano: a causa transmite sua essência ou parte dela a seu efeito. Em outras
palavras, toda causa contem ao menos tanta realidade formal que seu efeito (ROCHA, 2000, p. 8). Tudo que
é, portanto, tem uma causa. A causa inicial: Deus (quem concebeu as ideias em nosso espírito).
Malebranche: a alma não tem qualquer tipo de relação com o corpo – e vice-versa. Conclusão: o princípio
da causalidade cartesiano não existe. (SEVERINO, 1987, p. 88)
Ainda segundo Malebranche (2011, p. 15), "tudo o que é, ou pode ser concebido isoladamente, ou não
pode ser concebido de maneira alguma".
Portanto, "uma vez que a substância é um ser que subsiste em si mesmo, a ideia de uma substância
necessariamente não contém a ideia de um outro ser". (Ibid., p. 16)
"É preciso que o espírito julgue todas as coisas, segundo suas
luzes interiores, sem escutar o testemunho falso e confuso de
seus sentidos e de sua imaginação; e, se ele examina todas as
ciências humanas pela luz pura da verdade que o ilumina, ouso
afirmar que ele as desprezará quase todas e terá mais estima
por aquela que nos ensina o que somos do que por todas as
outras juntas."
(MALEBRANCHE, 2004, p. 53)
Como já dito, a imaginação é a faculdade responsável por fazer o homem se achar grande por
estudar os astros.
A verdade encontra-se interna ao homem, foi depositada por Deus (Descartes). Ela pertence
ao domínio da razão (ou do espírito), por isso nossos sentidos são enganosos.
Princípio da causalidade: (P1) Como existe em nós a simples ideia de um ser perfeito e infinito,
um ser perfeito e infinito necessariamente tem que existir. (P2) Já que nenhum homem possui
a qualidade de ser perfeito, deve existir algum ser perfeito que é a causa dessa nossa ideia de
perfeição. Esse ser é Deus. (DESCARTES, Meditações Metafísicas, 2000)
Se o homem, portanto, usar a sua razão (“luz pura da verdade que o ilumina”), ele perceberá
que as outras ciências são vãs. Assim, aproximar-se-á da verdadeira ciência, guiando-se pelo
seu senso de verdade: a ciência que diz que somos espírito e que, por conseguinte, somos
parte de Deus.
§31 "Prefiro, portanto, exortar os homens que têm algum amor pela verdade a
julgar sobre o assunto desta obra, segundo as respostas que eles receberão do
soberano mestre de todos os homens, depois de o terem interrogado por
algumas reflexões sérias, do que preveni-los por grandes discursos que eles
poderiam, talvez, tomar por lugares-comuns ou por vãos ornamentos de um
prefácio." (MALEBRANCHE, 2004, p. 53)
Deus, "o soberano mestre de todos os homens", portador da verdade – a qual,
por consequência disso, encontra-se em nosso espírito –, irá nos guiar até a
verdade, caso escolhemos decicarmo-nos à verdadeira ciência e meditar em
Suas palavras. Somente assim poderemos fazer um juízo de valor sobre a obra
de Malebranche.
"Caso esses homens se
persuadam de que este assunto
seja digno de sua atenção e
estudo, peço-lhes, novamente,
[para] não julgar as coisas que
essa obra contém pela boa ou
má maneira em que estão
expressas, mas entrar sempre
em si mesmos para ouvir as
decisões que devem seguir e
segundo as quais devem julgar." (MALEBRANCHE, 2004, p. 53)
A reiteração ("peço-lhes, novamente, [para] não julgar as coisas que essa obra contém pela
boa ou má maneira em que estão expressas") mostra a importância que o autor dá ao rigor
do pensamento.
Além disso, também é dito para que não seja analisada a sua capacidade de escrita, o que
poderia causar confusão por conta de uma certa ambiguidade, prolixidade ou verborragia.
Todavia, como é dito em seguida – e como já fora falado no parágrafo anterior –, a verdade é
interna, concernente ao espírito humano, tendo o texto malebranchiano o único propósito de
estimular a busca por esta verdade, como o próprio título da obra o diz.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALFONSO-GOLDFARB, A. M. O que é história da ciência. 1ª. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994.
CERTEAU, Michel de. A Escrita da História. 3ª. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2011.
DESCARTES, René. Meditações Metafísicas. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
FALLEIROS, F. N. Como fazer uma explicação de texto (exercício de análise literária). UNESP. 2021.
MALEBRANCHE, N. A busca da verdade (textos escolhidos). 1ª. ed. São Paulo: Discurso editorial, 2004.
_______. Diálogos sobre a Metafísica e a Religião: Primeiro Diálogo. Oficinas de tradução. Departamento de Filosofia. Universidade
Federal do Paraná. Curitiba: Ed. SCHLA/UFPR, 2011.
ORLANDI, Eni Puccinelli. Texto e discurso. ORGANON - Revista do Instituto de Letras da UFRGS, Rio Grande do Sul, v. 9, n. 23,
1995, p. 111-118.
PORTA, M. A. G. Filosofia e história da filosofia: uma reflexão sobre as relações de texto e contexto. COGNITIO-ESTUDOS: Revista
Eletrônica de Filosofia, São Paulo: CEP/PUC-SP, vol. 8, nº. 2, julho-dezembro, 2011, p. 141-148.
ROCHA, Ethel Menezes. Princípio de causalidade, existência de Deus e existência de coisas externas. Cad. Hist. Fil. Ci., Campinas,
Série 3, v. 10, n. 1, p. 7-30, jan.-jun., 2000.
RODRIGUES, Latícia Luiz. A prova cosmológica da existência de Deus em René Descartes: o princípio de causalidade como
elemento fundamental. Filogênese, Marília, Vol. 6, nº 2, 2013.
SEVERINO, Emanuele. A Filosofia Moderna. Tradução de José Eduardo Rodil, Lisboa, Edições 70, 1987, p. 88.